Uma
aeronave utilizada para transportar drogas em rotas do tráfico
internacional passa agora a servir centenas de pessoas que precisam
de transplante de órgãos no Ceará. A primeira missão da aeronave
com o objetivo de salvar vidas foi realizada em outubro deste ano, em
um voo entre as cidades de Mossoró (RN) e Fortaleza (CE). O órgão
transportado foi um fígado, que foi doado para realização de um
transplante no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC),
referência em transplantes de órgãos no Ceará, especialmente de
fígado, sendo considerada a unidade de saúde que mais realiza esse
tipo de transplante no Brasil.
Hoje
quem vive graças a um órgão doado sabe da importância desse ato
de solidariedade. É o caso do pequeno Kauã Nascimento, de 10 anos,
que recebeu um novo coração e deseja retribuir a atenção e os
cuidados da equipe médica do Hospital Dr. Carlos Alberto Studart
Gomes, o Hospital do Coração, em Messejana. “Eu quero ser
cirurgião para demonstrar o que as pessoas fizeram por mim, para
poder salvar a vida de outras criancinhas que precisam. Eu cheguei
aqui com dois meses e já fiz 10 cirurgias. Deus me ajudou, estou de
pé e bem. Hoje eu brinco, ando de bicicleta, jogo bola”, comemora
Kauã.
Para
o pai do garoto, Irailson Nascimento, o transplante bem-sucedido e a
boa recuperação do filho servem hoje de testemunho para que ele
alerte outras pessoas para a importância da doação de órgãos.
“Uma coisa que define tudo isso é amor. Meu filho está vivo hoje
através de um ato de amor. Em um momento tão delicado, após perder
um filho, a família teve a coragem de doar o coração para o meu
Kauã. Doem, porque, nesse instante, existem várias pessoas
dependendo de um ato desses para salvar vidas”, encoraja o pai.
O
novo uso para a aeronave foi possível graças a uma decisão da
Justiça Federal, que em dezembro de 2015, concedeu ao Governo do
Ceará a posse provisória do avião monomotor. A aeronave Cessna
Aircraft, modelo 210M Centurion II, foi apreendida em uma operação
da Polícia Militar, em abril de 2015, quando desembarcou no
município de Canindé, em uma pista de pouso clandestina, carregado
com 375,5 kg de cocaína. De acordo com as investigações, a
aeronave continha registros de voos para países da América do Sul,
como Bolívia e Paraguai, rotas utilizadas pelo tráfico
internacional de drogas. A operação contou com apoio de
helicópteros da Ciopaer. Em dezembro de 2015, a 23ª Vara da Justiça
Federal, em Quixadá, autorizou o uso da aeronave para o Estado,
mediante manutenção.
“Sentimos
a necessidade de utilizar essa aeronave pelo Estado, por isso,
conversamos com colegas da Polícia Federal e recorremos à Justiça
Federal, que se sensibilizou com o nosso pedido e cedeu a aeronave’’,
revela o secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará,
Delci Teixeira. “Os bombeiros já utilizaram o avião para
sobrevoar áreas com focos de incêndio. Ele é importante também em
parcerias com outros órgãos que cuidam dos recursos hídricos do
Estado e do meio ambiente, além de ser essencial para o transporte
de órgãos para transplantes”, acrescentou o secretário. A
aeronave ficará sob a responsabilidade da Ciopaer, órgão vinculado
à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
A
Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer) é
responsável por operar todos os meios aéreos do Estado. A Ciopaer
possui uma frota de seis helicópteros, realizando missões de
atividades policiais, bombeirísticas, resgates, transporte
aeromédico, em parceria com o Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (Samu/CE) e, agora, com o novo avião, realiza ainda o
transporte de órgãos, em parceria com a Central de Transplantes do
Ceará, da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa). Essas
atividades são executadas por policiais militares, policiais civis e
bombeiros militares, além de integrantes da Perícia Forense do
Estado do Ceará (Pefoce) e do Samu.
Os
transplantes realizados no Estado são fruto da parceria com a
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa), por meio da Central
de Transplantes do Ceará. Mas a função social da aeronave vai
além. Além da SSPDS e da Sesa, a aeronave será compartilhada para
realizar ações da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e da
Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), por meio da Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). A aeronave fará o
monitoramento ambiental (sobrevoando áreas de incêndios, coletando
informações de vegetação e monitorando áreas de proteção
ambiental) e o monitoramento de recursos hídricos (verificando
volume de açudes e coibindo desvios de água em todo o Estado).
A
versatilidade na utilização da aeronave traz outras vantagens para
as futuras missões do avião, já que tem uma economia de voo de
cerca de 40% em relação ao que gasta um helicóptero, além de ser
mais veloz. A aeronave é a primeira de asa fixa operada pela
Ciopaer, que, anteriormente, trabalhava apenas com helicópteros. O
avião tem a capacidade de alcançar qualquer capital do Nordeste,
sem abastecimento, a uma velocidade de 300 km/h, o que ajudará a
salvar várias vidas. O tempo reduzido para o transporte é
fundamental para que o paciente possa receber o novo órgão sem
comprometer o trabalho médico.
A
chegada da aeronave deve alavancar ainda mais o número de
procedimentos realizado no Estado. “O Ceará vem a cada ano batendo
recorde de transplantes, figurando entre os primeiros do País e
sendo destaque no cenário nacional. Isso se deve basicamente à
solidariedade da população cearense e ao apoio do Governo do Ceará,
que incentiva a nossa Central de Transplantes, disponibilizando toda
a logística para que possamos realizar nosso trabalho da melhor
forma possível”, destaca a médica da Central de Transplantes do
Estado do Ceará, Micheli Souza.
O
órgão enviado pelo Estado do Rio Grande do Norte ao Ceará só foi
possível, porque lá não havia fila para receptores de fígado,
como explica a Dra. Micheli. “Esse é um procedimento que pode
acontecer em qualquer estado, já que não tinha nenhum receptor
compatível com o fígado lá (no Rio Grande do Norte). Uma vez que
não tenha um receptor no Estado, esse órgão é disponibilizado no
Sistema Nacional de Transplante, sendo ofertado para todo o Brasil.
Outro fator que essencial para que o órgão pudesse vir para o Ceará
foi a proximidade entre as cidades de Mossoró e Fortaleza, porque,
em alguns casos, o tempo entre a retirada do órgão até chegar à
sala de cirurgia é reduzido, o que pode comprometer todo o
procedimento”, explica a médica.